sábado, 25 de outubro de 2025

 


Ouroboros: Heráclito, Parmênides e o Mito de Sísifo sob o Olhar de Nietzsche




Tudo flui, dizia Heráclito. Mas há fluxos que giram em círculos, como Sísifo empurrando sua pedra eternamente. A permanência, nesse caso, não é estagnação, mas repetição: um ciclo vicioso que também é forma de continuidade. O tempo não é linha reta — é espiral.

O universo nasceu do Big Bang, e alguns acreditam que terminará num Big Crunch. Seria essa a eternidade? Um ouroboros cósmico — a serpente que devora a própria cauda, girando sobre si mesma, sem começo nem fim. A física moderna flerta com mitos antigos, e a cosmologia se curva diante da poesia.

Vivemos entre o carbono e o silício, entre o orgânico e o sintético, entre o que morre e o que simula vida. Somos matéria que pensa, e pensamento que se materializa. E, mesmo assim, sempre voltamos ao mesmo ponto: à busca de sentido, à repetição dos mitos, à reinvenção do eterno retorno.

Se Heráclito via o mundo como um rio em constante mudança, Parmênides naufragava num oceano de incertezas. Daria todo o tesouro do mundo por uma tábua de salvação — uma certeza sólida, imóvel, onde a Verdade se revelasse como um continente firme em meio às águas revoltas do devir. Para ele, o ser é, e o não-ser não é. Nada muda. Tudo permanece. O mundo sensível é ilusão; só o pensamento revela o real.

Mas então vem Nietzsche, como um raio que rasga o céu da metafísica. Ele não escolhe entre Heráclito e Parmênides — ele os funde. O eterno retorno é mudança que retorna, fluxo que se repete, ser que se reinventa. É a dança do tempo sobre o abismo, onde cada instante deve ser vivido como se fosse eterno.

Sísifo, sob o olhar de Nietzsche, não é mais um condenado — é um criador. Se tudo retorna, cada gesto é sagrado. A pedra não é punição, é possibilidade. O absurdo se transmuta em afirmação. A vida não precisa de sentido externo: ela é o próprio sentido, quando afirmada com coragem.

E assim, entre o fluxo e o ser, entre o mito e a física, entre o absurdo e a criação, seguimos. Somos serpentes que devoram a própria cauda, pedras que rolam montanha acima, rios que jamais são os mesmos — e, ainda assim, somos.



quinta-feira, 23 de outubro de 2025

 

Entrelaçamento quantico - Os galhos das árvores



Os galhos das árvores apontam para o ceruleo pré-primaveril, eles estão estáticos quase sem energias esperando o calor que afague seu crescimento. Estão cinzas mas carregam uma estética inefável no fimda tarde onde sábias gorgeriam suas melodias tristes... Sentado em algum lugar que consigo espremer a "realidade" e expandir a imaginação até aonde a ciencia não pode ir. Enquanto o entrelaçamento quantico se diz instantaneo, consigo voltar, alterar a seta do tempo. Consegui dominar a entropia, sou um novo deus e prometo a eterninade a todos mortais. Os sistemas fechados não caminharam mais para a auto destruição. Agora, sereremos fluxos do rio de Heraclito que vai e vem num fluxo infinito e poderemos ser o mesmo homem e o mesmo rio numa jornada de espaço-tempo pós quantica....

Os sistemas fechados já não caminham para a autodestruição. Agora, somos fluxos do rio de Heráclito — que vai e vem, que se dobra sobre si mesmo, que se repete sem repetir. Podemos ser o mesmo homem e o mesmo rio, numa jornada de espaço-tempo pós-quântica, onde identidade e mudança coexistem como partículas em superposição.

A realidade não é mais um limite. É um convite.






 

MONOLOGO DIANTE DO GELO




(Silêncio. O som distante da água se quebrando contra o gelo. Uma figura observa o iceberg, imóvel.)

Você já viu algo tão imenso e tão frágil ao mesmo tempo?

Esse colosso branco, essa escultura do tempo... parece eterno. Mas está derretendo. Lentamente, sem alarde. Como tudo que finge durar.

O gelo não grita. Ele se desfaz em silêncio. E talvez seja isso que mais assusta — a ideia de que até o que é monumental pode desaparecer sem fazer barulho.

(Ele se aproxima um passo.)

E eu aqui, pequeno, transitório, tentando entender o que significa “mudar o mundo”. Como se o mundo fosse uma coisa que se deixa mudar. Como se ele não fosse feito de forças que nos ignoram — o vento, o tempo, o gelo.

Talvez seja ingênuo. Talvez seja arrogância. Ou talvez seja só desespero disfarçado de esperança.

Porque no fundo, o que eu queria mesmo... era deixar uma marca. Uma fissura. Um traço mínimo que dissesse: “eu estive aqui”. Mas o mundo não guarda rastros. Ele engole tudo. Até os icebergs.

(Pausa. O personagem se ajoelha, toca a água.)

E se mudar o mundo não for sobre transformá-lo, mas sobre ser transformado por ele? Ser tocado, abalado, derretido. Como esse gelo. Como essa ideia.

Talvez seja isso. Talvez mudar o mundo seja aceitar que ele nos muda — e que, às vezes, isso basta.

(Silêncio. O som do gelo se partindo ao longe.)

Porque há beleza naquilo que se desfaz. Há verdade naquilo que não resiste. E talvez seja nesse instante, nesse breve contato entre o que somos e o que não podemos controlar, que algo muda. Não lá fora. Aqui dentro.

(Ele se levanta. Olha para o horizonte.)

Eu não vim para vencer o mundo. Vim para escutá-lo. Para senti-lo. Para ser parte dele, mesmo que por um instante.

E se esse instante for tudo o que há... então que ele seja inteiro.


The End





E a amo em silêncio, platonicamente,

sou cúmplice dos pássaros desorientados,

dos semáforos que piscam para ninguém,

dos muros que não respondem, mas a face dela está gravada na eternidade do transitorio,

Somos escravos da nossa própria espécie

desde o primeiro caixote de bananas estocado,

desde o primeiro muro erguido para separar,

para vigiar, para explorar.

Hoje, a superestrutura nos observa de cima,

com olhos de algoritmo e mãos invisíveis.

Chegar ao âmago da questão

é como cavar com as mãos nuas

um solo de concreto armado.

Há camadas e mais camadas de dominação,

mas nenhuma tão densa quanto o medo

de dizer a ela —

que, mesmo entre o caos,

a vejo como um respiro...

...como um intervalo entre sirenes,

um gesto que escapa à lógica da máquina,

um lampejo de humanidade na engrenagem.

Ela, que caminha entre ruínas com leveza,

sem saber que carrega em si

a única revolução que ainda pulsa:

a de existir sem pedir permissão.

E eu, que a amo em silêncio,

continuo cúmplice dos que não se encaixam,

dos que resistem sem alarde,

dos que, ao vê-la passar,

sentem que ainda há beleza

mesmo sob o peso do concreto.





sexta-feira, 17 de outubro de 2025

 

O Hospital Invisível





Era sexta-feira — ou talvez sábado. O tempo já não obedecia aos ponteiros. Eu estava imerso em tradições judaicas, sem saber ao certo como havia chegado ali. O ambiente, antes municipal e neutro, transfigurou-se sob o domínio de símbolos e rituais que me eram estranhos. A respiração tornou-se rarefeita, como se o ar tivesse sido privatizado.

Minhas veias, conectadas por agulhas, recebiam antibióticos de origem obscura, vindos das engrenagens da Big Pharma. Ao redor, surgiam danças hebraicas, refeições cerimoniais, cânticos — e eu, dopado, observava tudo como um estrangeiro dentro do próprio corpo. Aquelas expressões culturais, tão distantes da minha formação, pareciam um teatro delirante encenado sobre minha maca.

Minha boca secava. Por dentro, o deserto do Oriente Médio se instalava. Um homem turco se aproximou e me ofereceu um copo de água judaica. Aceitei, sem saber que aquele gesto simples carregava um peso simbólico maior que minha lucidez. Era como estar preso no castelo de Kafka, recebendo doses sutis de envenenamento institucional.

A música do silêncio preenchia o ambiente. Não havia hora, nem data. Os diálogos com os funcionários da casa de saúde eram fragmentados, como se falássemos línguas incompatíveis. Cada conversa me empurrava para o estreitamento da existência.

Às vezes, eu parava de respirar. Brutamontes me imobilizavam, amarrando meus braços às grades de ferro da maca. Dias se passavam enquanto eu tentava me mover. Era uma sinfonia macabra, sufocando qualquer esperança de viver. Ainda assim, em alguns momentos, encontrava respiros rarefeitos — mas a ideia de desistir rondava como um fantasma paciente.

O sistema havia decidido: eu era inútil para o mecanismo capitalista. A mão invisível do mercado apontava para mim, e por telepatia a meritocracia, icone do sistema neoliberal, reverberava em meus neurônios:

— Você já alimentou nossa engrenagem. Cumpriu sua função na timeline da subordinação. Agora, faça como o esquimó: afaste-se e morra com dignidade. Não onere a sociedade.

E ali, entre agulhas, danças e delírios, compreendi que o hospital não era apenas um lugar físico — era o espelho de um mundo que já não sabia cuidar, apenas administrar.



O Gran Finale Existencial






O que seria um grande final existencial?

Para preencher o vacuo da existencia precisariamos de uma espetacular explosão atomica ou um cometa explodindo com o planeta todo e exterminando todo ser humano, assim como aconteceu com os dinossauros.

Certa vez, Sileno (Σειληνός) foi indagado pelo rei Midas, que perguntou:

Qual dentre as coisas era a melhor e a mais preferível para o homem.

O sábio Sileno, o companheiro de Dionísio - um bebado inverterado, constrangido, mas cheio de racionalidade, como um raio de Zeus nas cabeças dos pobres mortais, disse:

Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer.

Na verdade, o ser humano jacta-se de arrogancia - até mesmo desenvolveu uma inteligência artificial, alguns cientistas tem a ilusão de fazer um upload da consciência para uma máquina e atingir a imortalidade, mas como enfatizou Sileno, maldita estirpe você é transitoria, arrogante e não escapará das leis do universo, apenas contente-se em aproveitar as migalhas do Olimpo, vil criatura...








quarta-feira, 15 de outubro de 2025

 




Gosto das especiarias. Elas carregam em si não apenas aromas e sabores exóticos, mas também histórias de ambição, desejo e travessias. Foram elas que impulsionaram as grandes navegações, movendo portugueses e espanhóis em direção às Índias Orientais, em busca de riquezas, luxúrias e temperos que, ironicamente, moldariam o Ocidente mais profundamente do que a própria cultura judaico-cristã.

Essas rotas marítimas não eram apenas caminhos comerciais — eram veios por onde circulavam ideias, crenças, filosofias e contradições. Afinal, o pensamento filosófico, tão reverenciado no Ocidente, tem raízes que brotam a Leste de Greenwich. Foi lá, nas margens do Ganges, nos desertos persas, nas montanhas chinesas, que surgiram os fundamentos da sabedoria, antes de serem reinterpretados, muitas vezes distorcidos, pela lógica ocidental.

“Navegar é preciso”, já dizia o poeta, mas hoje, mais do que nunca, é preciso questionar para onde estamos navegando. O naufrágio, neste contexto, não é acidente — é consequência. É o resultado direto das atitudes predatórias do capitalismo, da exploração incessante do homem pelo homem, da mercantilização da vida e da natureza.
As especiarias continuam a perfumar o mundo, mas o aroma que se espalha agora é misturado ao cheiro de mares revoltos, de histórias esquecidas e de civilizações que foram silenciadas em nome do progresso. Talvez seja hora de redescobrir essas rotas — não para conquistar, mas para compreender.


terça-feira, 14 de outubro de 2025







Monólogo: “O Último Acorde do Universo”
(Luzes baixas. Um personagem solitário no centro do palco. Veste um traje que mistura jaleco com túnica. Há uma caixa no chão — metáfora da caixa de Schrödinger. Ele fala para o vazio, ou para o público invisível do cosmos.)

PERSONAGEM:

Curo a harmonização com o caos cósmico irredutível.
Não por escolha. Por necessidade.
Porque o universo não pede licença — ele colapsa.
Os gatos quânticos estão todos aninhados.
Na caixa.
Na dúvida.

Na dança entre o ser e o não-ser.
Vivos ou mortos — ou ambos.
Código binário.
Never mind.
As partículas subatômicas viraram deuses.
Dentro dos ciclotrons, elas colidem como titãs.
Criam mundos em miniatura.
E nós?
Nós assistimos.
Registramos.
Publicamos em periódicos que ninguém lê.
Os físicos agora nos falam de universos paralelos.
Impalpáveis.
Distantes.
Enquanto aqui, neste plano amargo,
sobrevivemos com as pontas extremas do sistema digestivo.
Ad náuseam.
Caminhamos de mãos dadas com o destino cruel.
Com a tragédia que será nosso final
Livre-arbítrio?
Manipulado.
Pelas quatro forças que regem tudo:
Gravidade.
Eletromagnetismo.
Nuclear forte.
Nuclear fraca.
As bíblias da ciência.
Mas não basta.
Nunca basta.
A fórmula total ainda escapa.
Eis que surge a força escura.
A matéria oculta.

A sombra que ri da nossa ignorância.
A teoria da corda?
Rebentou.
Não vibrou.
Não cantou o acorde final da sinfonia.
Aquela que ecoa por todos os infinitos.
E eu?
Eu escuto.
Eu espero.
Eu vibro — em silêncio.
(Ele se aproxima da caixa. Olha para ela como quem encara o próprio destino.)
Talvez o universo seja apenas isso:
Uma caixa.
Um gato.
Uma dúvida.
E nós — partículas conscientes —
esperando o colapso da função de onda.


Peça Teatral: “Sinfonia do Vácuo”
Estrutura:
Gênero: Drama existencial-cósmico com elementos de poesia e filosofia
Formato: Monólogo intercalado com aparições de vozes e entidades
Cenário: Espaço abstrato — uma mistura de laboratório, templo e vazio estelar
 Personagens:
O Harmonizador (protagonista): Cientista-poeta que tenta decifrar o universo através da linguagem e da física. É quem conduz o monólogo principal.
A Voz da Ciência (off): Uma entidade que recita leis, fórmulas e verdades absolutas — fria, precisa, impessoal.
O Gato Quântico (presença simbólica): Não fala, mas aparece em momentos-chave, representando a dúvida, o paradoxo, o destino.
A Entidade Escura (voz distorcida): Representa a matéria escura, a força invisível, o mistério que escapa à razão.
O Humano Comum (interlúdio): Surge brevemente para trazer o contraste da vida cotidiana — fome, amor, medo, esperança.

Ato I — “A Caixa”
(Monólogo do Harmonizador — já apresentado acima)
Tema: A dúvida, o paradoxo, o início da busca.

Ato II — “As Cordas Rebentadas”
(Luzes tremulam. A Voz da Ciência entra em cena, como uma gravação ou projeção.)

VOZ DA CIÊNCIA:

Gravidade.
Eletromagnetismo.
Força nuclear forte.
Força nuclear fraca.
Quatro pilares.
Quatro colunas.
Quatro véus.
(O Harmonizador responde com ironia e dor.)

HARMONIZADOR:

E ainda assim...
Nada vibra como deveria.
As cordas rebentaram.
A sinfonia falhou.
O universo desafinou.
(O Gato Quântico aparece. O Harmonizador o observa.)

HARMONIZADOR:

Tu és o maestro do paradoxo.
Vivo e morto.
Presente e ausente.
Tu és o sim e o não —
E eu sou apenas o talvez.
Ato III — “A Entidade Escura”
(Som grave. Voz distorcida ecoa.)

ENTIDADE ESCURA:

Eu sou o que não pode ser visto.
Sou massa sem luz.
Sou força sem toque.
Sou o que falta na equação.

HARMONIZADOR:

Tu és o silêncio entre as notas.
A pausa que ninguém escreveu.
A sombra que pesa mais que a luz.
(O Harmonizador tenta dialogar, mas a Entidade desaparece.)
Ato IV — “O Humano Comum”
(Um personagem simples entra. Roupa comum. Olha para o Harmonizador.)

HUMANO COMUM:

Eu não entendo tuas fórmulas.
Mas sinto fome.
Sinto medo.
Sinto amor.

HARMONIZADOR:

E talvez isso seja mais real que qualquer teoria.
Talvez o universo seja apenas isso:
Um corpo que sente.
Uma alma que busca.
Uma dúvida que pulsa.

Ato V — “O Último Acorde”
(Todos os personagens em cena. O Harmonizador no centro. Luzes se apagam lentamente.)

HARMONIZADOR:

Se houver um acorde final,
que ele seja dissonante.
Que ele nos lembre que o caos também canta.
Que o universo não precisa fazer sentido —
apenas ecoar.
(Silêncio. Fim.)



domingo, 12 de outubro de 2025

 


Sinfonia do Vácuo




Curo a harmonização com o caos cósmico irredutível. Não há mais silêncio entre as estrelas — apenas o eco de equações não resolvidas. Os gatos quânticos estão todos aninhados em sua própria natureza, ou seja, na caixa de Schrödinger: vivos, mortos, ou simultaneamente ambos, como um código binário que se recusa a escolher. Never mind. As partículas subatômicas viraram deuses dentro dos ciclotrons. Colidem com fé, gerando milagres estatísticos. Os físicos agora nos falam de universos impalpáveis, paralelos — distantes de nossa realidade amarga, onde para sobreviver precisamos das pontas extremas do sistema digestivo. Ad náuseam, caminhamos de mãos dadas com o destino cruel, na tragédia que será nosso final: um livre-arbítrio manipulado pelo cosmos & suas quatro forças reveladas nas bíblias da ciência — gravidade, eletromagnetismo, nuclear forte, nuclear fraca.Mas ainda não está acabada a fórmula total. Eis que surgiu a força escura, a matéria oculta, como sombras que dançam nos bastidores da realidade. A teoria da corda rebentou — não conseguiu vibrar a harmonização dos acordes finais de uma sinfonia que ecoa por todos os infinitos. Cada dimensão é uma nota dissonante, cada buraco negro, uma pausa dramática. Somos poeira que pensa, mas pensar não nos redime. A consciência é apenas um erro estatístico, um glitch no tecido do espaço-tempo. E mesmo assim, insistimos em decifrar o código, em traduzir o silêncio do universo em linguagem humana.


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

 

 



Diálogos infinitos elevados a um googleplex num universo em parsecs, na raiz infinita de uma periódica refletida no espelho de Alice:

Os diálogos eram muito simples. Eu ficava sentado na mureta do posto de gasolina, observando os transeuntes ambularem. A cerveja era minha companhia na solidão eterna, mas na transoteridade, algum ser perguntava:

— Está tudo bem?

Minhas respostas eram desconectadas da "realidade" do senso comum, ou seja, não se coadunavam com o rebanho servil que ia e vinha.

— Você precisa de ajuda?

Não respondia nada. Ficava a pensar que tipo de pessoa faz uma pergunta do nada. Simplesmente continuava tomando cerveja, enquanto os seres em suas incompletudes se imiscuíam com seus pets, suas roupas de mercado, com seu consumo desenfreado ditado pelo marketing para aliviar seus vazios. Porra, quem é que está precisando de ajuda?

Talvez todos. Talvez ninguém. Talvez o universo inteiro esteja em crise de identidade, tentando se encontrar num feed infinito de selfies e frases motivacionais.

O céu, naquele instante, parecia rir da minha lucidez. Um azul desbotado, quase cínico, pairava sobre os carros que passavam como formigas apressadas. Um senhor de boné me olhou com estranhamento, como se eu fosse um glitch na matrix urbana.

— Tá esperando alguém? — perguntou, com voz rouca.

— Tô esperando o tempo me esquecer — respondi, sem olhar.

Ele riu, mas não entendeu. Ninguém entende. Porque entender exige parar. E parar é quase um crime nesse mundo que corre sem saber pra onde.

A cerveja acabou. O silêncio ficou mais denso. E eu, como um personagem secundário de um livro que ninguém escreveu, continuei ali. Sentado. Pensando. Existindo.




quinta-feira, 9 de outubro de 2025


A Morte em Frequência Subjetiva




Saí pela avenida após um período de reclusão voluntária. O bulício urbano era ensurdecedor. O dióxido de carbono invadia os pulmões sem cerimônia, enquanto sirenes cortavam o ar com seus efeitos Doppler, compondo a sinfonia tóxica do inferno cotidiano da cidade.

No meio daquele caos, pensei no arroz integral, na paz silenciosa das minhas ervas no jardim. Um instante de bem-estar, uma memória aromática que contrastava com o enxofre expelido pelos canos de descarga de ônibus e caminhões. A cidade respirava veneno, e eu tentava lembrar como era respirar vida.

Pensei então nas cores que não percebemos. Naquelas que escapam à nossa visão, mas talvez estejam lá, vibrando em frequências que ignoramos. A morte nos espreita assim: invisível, silenciosa, camuflada no cotidiano. Não a vemos, mas ela nos observa.

Na minha lógica — aquela que aprendi nos tempos da racionalidade — bastava uma posição no espaço-tempo para que se revelasse o passado, o presente e o futuro. Era uma promessa de previsibilidade, de controle. Mas hoje sabemos: a racionalidade não é confiável. Ela falha diante do caos, tropeça na complexidade, e se perde nas entrelinhas da existência.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

 



Today — não se aproximem. Minha vibração está negativa, carregada como um trovão prestes a romper o céu. Está engatilhada para destruir o que se iguala, o que se acomoda, o que se curva. Os seres humanos, em sua trágica incompetência de compreender os fenômenos e as coisas, recorrem ao sobrenatural como quem implora por sentido num mundo que já não oferece respostas. Alienados, entregam-se à distopia de um controle ilusório, guiados por uma paixão cega por dogmas que os mantêm em cativeiro.

Vivem como sombras de si mesmos, espectros que caminham entre ruínas de ideias mal digeridas. Marx já alertava: o homem alienado não reconhece a si mesmo no mundo que constrói.

E assim, constroem prisões com tijolos de ignorância e intolerância, apostando na própria cegueira para erguer mundos paralelos onde a injustiça é norma e a empatia, exceção.

Pobres diabos... Se ao menos ouvissem uma composição de Beethoven ou Bach, desmanchar-se-iam como estrume sob a flecha inexorável do tempo. A arte, essa centelha do sublime, ainda poderia resgatar-lhes a humanidade. Mas preferem o ruído ao silêncio, o grito ao pensamento, o consumo à contemplação.

Neste cenário, as ovelhas do pastor cristão foram substituídas por gado — bovinos que, ao som do berrante, caminham obedientes rumo ao abate. Já não há pastores, apenas vaqueiros do capital, guiando massas entorpecidas por promessas vazias e algoritmos que moldam desejos. A alienação é total: do trabalho, da linguagem, do corpo, da alma.

Nietzsche diria que Deus está morto, mas o que morreu foi o homem — aquele capaz de criar valores, de insurgir contra o rebanho. O que resta são simulacros, como diria Baudrillard, cópias de cópias de uma realidade que já não existe. Vivemos num teatro de máscaras, onde cada rosto é uma mentira bem ensaiada.

E enquanto isso, o tempo — esse arqueiro silencioso — continua a disparar suas flechas. Algumas atingem os que ousam pensar. Outras, passam por entre os olhos dos que já não enxergam.



sábado, 4 de outubro de 2025

 



Foi a consagração de pisar em dois oceanos: Atlântico e Pacífico, dois espelhos que me devolviam destinos contraditórios.


No Pacífico, a Califórnia erguia suas muralhas de pedra, lavas antigas solidificadas em barragens improvisadas contra a fúria das águas. Mas o mar não se contém — ondas colossais, dignas de Maverick, avançavam como deuses enfurecidos, e só as luzes artificiais ensinavam os banhistas o momento exato de recuar. Poseidon reinventado em sinais elétricos.

O Atlântico, porém, me recebia com mansidão. Ali o corpo se entregava em cadeiras largas, diante de praias infinitas, como se o horizonte quisesse acariciar nossa carne já marcada pelos trópicos. O sol massageava uma pele que guardava em sua memória o peso da miscigenação e o eco da sobrevivência.

No norte, o mito americano nos embriagava. O uísque servia de bússola: não precisávamos de deuses quando o álcool nos lembrava que ainda éramos animais. Era um faroeste existencial onde a salvação se buscava em desertos, montanhas nevadas, cassinos e massacres. Extinguir os indígenas parecia ser o preço do progresso, e muitos aceitaram esse pacto como se fosse inevitável.

Mas no sul, o pé esquerdo — sempre o pé esquerdo — exigia justiça. Ali compreendíamos que a violência contra indígenas e africanos não fora um detalhe, mas a raiz de nossa civilização. Crime contra a humanidade, tatuado no solo e no sangue. O Atlântico carregava em suas ondas o lamento de corpos arremessados ao fundo do mar, uma memória salobra que insistia em sobreviver.

E no Pacífico, a crença persistia: a ilusão de que a individualidade armada poderia equilibrar o mundo, que uma pistola era extensão da liberdade. O velho oeste se eternizava como religião secular, confundindo vingança com justiça.

Entre os dois oceanos, entendi que carregamos um duplo destino: um lado sedento por ordem e vingança, outro clamando por memória e reparação. Entre o Pacífico e o Atlântico, entre o norte e o sul, entre o revólver e a mão estendida — ali, no limite das águas, é que se decide quem realmente somos.



  Ouroboros: Heráclito, Parmênides e o Mito de Sísifo sob o Olhar de Nietzsche Tudo flui, dizia Heráclito. Mas há fluxos que giram em círcul...