quinta-feira, 18 de dezembro de 2025


Prelúdio de uma Tragédia Vaticinada 




A condição humana é marcada por uma tensão inevitável: o peso da consciência contra a leveza da existência. Aquilo que outrora foi inocência — a simplicidade dos primatas que fomos — hoje se converteu em densidade. Cada ato carrega consigo não apenas sua consequência imediata, mas o fardo de milhões de atmosferas existenciais.

O espaço-tempo, indiferente às nossas contradições, avança em direção à unidade última: matéria, energia escura, espaço e tempo fundindo-se em um só horizonte. As teorias das cordas, a teoria M e os multiversos tornaram-se a mitologia contemporânea, narrativas que substituem os deuses antigos e oferecem explicações para o abismo que nos rodeia.

Mas, paradoxalmente, enquanto buscamos compreender o cosmos, permanecemos presos às nossas pequenas gravidades pessoais. Assim como os corpos celestes são atraídos pelo astro-rei, eu me vejo atraído por hábitos cotidianos — o lúpulo, por exemplo, que me chama diariamente como um ritual inevitável. Essa metáfora revela o drama humano: somos seres que aspiram ao infinito, mas que se deixam capturar por forças banais e repetitivas.

A tragédia vaticinada não é o colapso do universo, mas o colapso da própria consciência. A velocidade cinética da composição interior — feita de memórias, desejos e contradições — ameaça romper os limites da razão. O ser humano, ao tentar escapar da gravidade da existência, descobre que não há fuga possível: toda busca pela leveza termina em gravidade.

Assim, o prelúdio da tragédia é a própria condição humana. Não somos apenas espectadores do cosmos; somos parte dele, e nele se inscreve o paradoxo de nossa existência: aspirar ao eterno, mas viver no efêmero.






domingo, 14 de dezembro de 2025


Agonia, polígonos, momentos angulares




Agonia, polígonos, momentos angulares — sentado, afastado dos astros, sem signo, o desejo vem à tona...

O nada sofreu osmose do tudo, e o universo começou num dia de verão extremamente quente e denso.

Eu estava tomando cerveja, sem preocupação: a existência ainda não existia, o espaço-tempo de Einstein era o nada para mim.

Ao mesmo tempo, nas vias, os carros chineses elétricos trafegavam silenciosos. Era um instante extremo, onde o big crush e o big bang permaneciam inertes antes da explosão.

Dinamites me mordam... e eu ainda estou aqui, dedilhando nas teorias das cordas, brincando como um deus manco que perdeu sua bengala tocada por Midas.

De nada adianta a densidade se não houver utilidade...

Cercados por kamikazes suicidas em busca de sentido, nada contra o determinismo do universo ou a pluralidade dos multiversos.

Ou seja, tudo já foi escrito: só nos resta o amor fati. E nisso os gregos foram mestres.

Mas, enquanto a noite e o dia não vêm, fico bebendo cerveja no átimo, no cair inerte do vai e vem do universo...



 

O Conexo Desconexo





O DESCONEXO









O CONEXO 




O prato branco fumegante em cima da toalha puída e macilenta de algodão, com detalhes bordados em forma de flores vermelhas dentro de cestos de vime, olorava vapor carnil exalado das almondegas - ao molho madeira, acompanhadas de arroz cateto selvagem e salada de burgol, cebola, pimentão e tomate. O garfo na mão do filósofo estava suspenso, congelado na profundidade da rede de neurônios. O pensamento maquinava o capítulo XXII do livro Contribuições À Doutrina Do Sofrimento Do Mundo, de Arthur Schopenhauer. O espirito do philosophe se inundara do pessimismo do ilustre pensador tedesco. Estava em plena ataraxia, sem reflexos de mobilidade corporal, apenas atividades críticas e negativas no fluxo e conexões do córtex cerebral.
No lado oposto da cidade, no Instituto do Coração, um cardiologista examinava um diagnóstico produzido pela vanguarda tecnológica, seu pensamento distava alguns quilômetros, buscava uma explicação, uma racionalidade para a diferença entre a assistência médica dada aos pacientes particulares, possuidores de bens  e o oferecido pelo sistema de saúde do governo aos mais necessitados - os sem posses. Eram duas categorias de pacientes:

a) Os donos e beneficiados pelo poder econômico - que recebem toda disponibilidade de equipamentos avançados e métodos supra modernos sem espera.
  
b) Os explorados e subjugados pelas leis confeccionadas em favor do poder econômico e que ficam à mercê de um sistema ineficiente, de colegas que apenas estavam interessados em receber "desprezíveis reais" pagos pelo sistema publico, além de ter que esperar horas, dias, meses, anos para serem atendido, quando não morrem na fila. O pensamento critico do médico questionava o sistema capitalista: 
- "Será que  em Cuba existiria aquelas distinções? Será que os homens eram atendidos conforme suas posses, mesmo nas horas mais terríveis, quando todo ser humano deveria ter os mesmo direitos diante a doença? Porque os recursos tecnológicos e métodos modernos só estavam a disposição de um seleto grupo do poder econômico e seus apaniguados"?




O filosofo levou o garfo com um pedaço de almondega condimentada entre os dentes, a inercia começava a se desmanchar, a pimenta extra forte adicionada ao bolo de carne e pão fizeram seus olhos lacrimejarem, uma parte da secreção caiu num granulo de açúcar cristal, que uma formiga carregava com grande esforço, com o líquido salgado o produto industrializado da cana de açúcar, que os portugueses e holandeses disputaram há séculos, se dissolveu e o esforço do inseto se tornou em vão. Os sentidos do philosophe despertaram completamente, sua ataraxia se esboroou com um som agudíssimo vindo de uma serralheria da vizinhança. O ferreiro batia o malho num ferro com toda sua força física, extraindo sons que despertavam até almas adormecidas eternamente. O pássaro cardeal se batia na gaiola de arame e madeira, pendurada na porta da serralheria na qual o ajudante saia carregando um copo de aguardente para o ferreiro, nem sem antes bebericar alguns goles em frente a parede interior do galpão, que apoiava um calendário de mulheres nuas de uma empresa de pneus.




Uma árvore carregada de caqui, uma planta originária da asia luxuriante e despótica, atrai sábias com seus bicos evoluídos para furar frutas, caçar insetos, eles emitem seu trinado triste, apesar de hodiernamente os alçapões, fundas e espingardas de chumbinhos estarem abolidas pela nova geração que nesse instante tecla em frente a uma computador, screen ou cheiram cola na frente de um supermercado abordando clientes para dar suporte ao vício e, ainda, atirados como zombies exercitam a mortificação de seus corpos fumando crack - em becos e áreas degradadas junto a excrementos humanos de homeless, que se limpam com jornais da grande mídia corporativa, que defendem os interesses do poder econômico e estão se lixando para a transcrição correta dos fatos - num dia qualquer do calendário gregoriano em que a terra completa sua translação indiferente as funções artificiais que os homens cumprem com determinação. Como  ratinhos de Skinner corroborando a teoria behavorista, enquanto outros dormem em casa de papelão & outros assaltam, entrementes, um budista e um médium empreendem voo no espaço cósmico usando técnicas paranormais que a guerra fria escondeu a sete chaves, porém a SpaceX lançou um carro Tesla Roadster a bordo do   novo foguete jumbo Falcon Heavy...







 

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

 

Paisagens, landescape, paraísos artificiais, saudades em pedaços rolando no espaço-tempo de Einstein — mosaicos da memória na existência, nas paisagens perdidas de um livro de Proust, apodrecido pela umidade e devorado pelas traças, num quarto escuro existencial ao som de Juliete Grécoe botelhas de vinhos vazias preenchendo o vazio existencial...


 



A vida transcende os fótons que bombardeiam os objetos da realidade, que em si mesmos são dúvida. A quântica nos diz que a realidade — antes de ser observada — é apenas probabilidades. Assim caminha a humanidade, num planeta tão frágil quanto nossa maior explicação do que somos e para que existimos.

Sabedor, como Sócrates, de que nada sabemos — ou melhor, de que a inteligência chegou a essa sentença —, mas que foi descartada por Aristóteles e Descartes. Séculos depois, ergueu-se uma falácia: da dúvida chegar à certeza, e dessa certeza construir uma filosofia das nuvens, a prova de Deus e a matemática da cruz. Você humano está absolvido de sua vida mesquinha e sem sentido, só carrega o peso de ter nascisdo - assim setenciou algum personagem da mitologia grega...




X e Y — abscissa e ordenada — como Pilatos lavando as mãos, reconstruindo o mundo de Platão, o mundo das ideias. Livrou Barrabas da cruz e nos condenou em pleno século xxl acreditar em deuses e sobrenaturais, mesmo depois de Espinosa: A natureza é deus e deus é a natureza...

Estamos tão perdidos quanto as teorias, quanto a explanação do universo, quanto ao que realmente existe.

O girassol, ao rebentar, tem consciência do fluxo do sol, mas já prestes a se extinguir, aponta para onde o sol nasce. A humanidade não tem certeza de nada, a não ser do proprio indeterminismo que lhe é peculiar....





quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

 


O que é - é...

O que não é - não é...

Mas no rio de Heráclito passam as águas & os homens que atravessam o fluxo do fluido, assim, como o rio, jamais serão os mesmos...

Então, logo o que é pode não ser amanhã y o que não é pode ser no devir... 

Empedocles daria todo o tesouro do mundo por uma pequena tabua de certeza - neste vasto oceano de indeterminação: os présocráticos já tinham percebido a física quantica & seus universos pararelos... 

O que é - é...

O que não é - não é...

Mas o terceiro excluído já esta implicito nesta dicotomia...

O que é - é...

O que não é - não é...

No fim todos poderemos ser na teoria de Lavosier (até agora não refutada)  "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"

Neste momento, o terceiro excluído toma forma, concreticidade & os univeros pararelos brotam como cogumelos após uma longa chuva fertil de neuronios....





domingo, 30 de novembro de 2025

 

Filosófico-Existencia-Desiderium





Desederium de toda ordem, falta até o infinito em seu sem fim... Saudades do que não tenho, até o futuro me falta. O zero é o vazio e o infinito é o vazio concreto. Seus labios escondem a plasticidade de uma loucura sexual. A vida caminha a passos largos pelo labirinto do inconhecível, do inaudivel, do inefavel. Quantos sentidos teremos que ter para desvendar a paixão, as leis que governam os multiversos, a nossa atração sexual voluvel dentro deste nosso único universo. O vento mistral já começou a soprar nos quatros cantões. Certamente, os crimes aumentarão e a irracionalida será a tônica de todos os atos, mas esta noite de dionisio será amansada pelas engrenagens da precisão dos relogios suiços, agora, substituidos pelo relógio de lógica quântica & assim sucessitivamente caminheremos por vias infindavéis e inexplicaveis, pois o espaço se imiscui no tempo. Estamos a espera de um grande asteroide que dizime todos os terraqueos - antes que possamos colonizar outros planetas. Os antireproduções estão genefluxados orando pela extinção e que o planeta possa se governar sozinho. Porém, aos que defendam para que voltarmos à caverna. Não evoluiremos mais, a tecnologia esmaculou o ser original que Heidegger procurava, o homen derivado das estrelas de caborno chegou ao seu auge, agora, só resta a decadência. Contudo, olho sua boca vermelha e úmida, tenho vontade de reproduzir, ela pergunta sobre a minha filosofia da morte e digo:

-Paroles, paroles....





sexta-feira, 28 de novembro de 2025

 



Os Jalmares do Sul estão chegando. Eles vêm do pampa, onde a terra é coberta por uma relva verde — única no Brasil — e o toldo do céu é azul profundo.

Sua rotina alimentar era simples e rústica: carreteiros de capincho e carne seca, gaudéria raiz.

Acostumados a abater capivaras, beber cachaça em guampa de touro e acender fogueiras no campo para se aquecer das rigorosas temperaturas do meridiano sul, viviam como verdadeiros filhos da campanha.

À noite, deitavam-se em pelegos de ovelha e sonhavam com a cidade grande — enriquecer em Porto Alegre.

Finalmente, esse dia chegou. Os Jalmares do Sul alcançaram a capital dos gaudérios, conseguiram empregos e começaram a receber salários.

Com poupanças suadas, noites mal dormidas e alimentação precária, conseguiram juntar um capital considerável.

Foi então que tiveram uma grande ideia: emprestar dinheiro a juros. Sem perceber, tornaram-se agiotas.

Prosseguindo em seu sonho de riqueza na cidade grande, investiram aos poucos em lojinhas de R$ 1,99.

O dinheiro se acumulou, e logo fundaram uma agência de créditos, legalizando assim a agiotagem. 

Todos os dias, num rito marcado pelas lembranças amargas do passado — como o mate que sorviam na campanha — reuniam-se no minimercado de um bairro de classe média da capital para recordar os tempos de dureza e gauderismo.

Agora, bem-sucedidos, falavam sobre a vida no campo, sobre o montar nos cavalos de pelo duro, enquanto desfrutavam de carros com bancos de couro macio.

Já pensavam em comprar carros elétricos chineses para “ajudar o meio ambiente”, mesmo explorando o suor dos trabalhadores que lhes garantiam fortuna.

Aos poucos, esqueceram-se do período em que ouviam desafinados cantos de galpão e viviam na simplicidade da campanha.

Assim caminha uma parte da humanidade: entre o gauderismo raiz e a ambição da cidade grande, entre o fogo da fogueira no campo e o brilho frio das vitrines urbanas.




sábado, 22 de novembro de 2025

 




Antanho, caminhávamos pelas ruas arborizadas, pavimentadas com lajes de basalto e de grês. De sapatos ou sandálias, sentávamos nas cadeiras dos bares sempre abertos e, como estanho fundido, soldávamos a união de nossos corpos. A música nos levava para lá e para cá, embalando os passos e os sonhos.

As borboletas de outrora voavam com suas asas diversas, sinal da boa qualidade do ar. 

Nada parecido com a poluição atual: apenas os pequenos Vemaguetes, com seus motores de dois tempos, lançavam à atmosfera a mistura de gasolina e óleo.

A noite ia e vinha sem acidentes graves, apenas mortes comuns do cotidiano. As balas estavam nos mostruários dos antigos armazéns, não cruzavam o espaço urbano como as traçantes metralhas da situação presente.

Hoje, caminhamos separados, como fantasmas. De vez em quando cumprimentamos alguns vultos — espectros do passado. O belo bairro arborizado cedeu licença à motosserra, que ergueu espigões e tornou nossas vidas mais infernais que o próprio inferno.

Os chafarizes da cidade deixaram de jorrar. Nossas águas de arroios, valos e córregos, que antes abrigavam peixes e corriam límpidas, hoje carregam um plasma escuro, misturado a fezes e mosquitos vetores de doenças terríveis.

Enquanto isso, as ratazanas do serviço público lavam as mãos como Pilatos: privatizam, abandonam, e o povo passa fome.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025


Uma Thurman  &  Hera Venenosa




Por que as borboletas, ao final da tarde, voam contra o vento?

Seria instinto, ou um desafio silencioso à ordem natural?

Alguém realmente acredita que o farfalhar das asas de uma libélula, perdida nos campos da Hungria, possa desencadear uma tempestade devastadora na América do Sul?

Os pólens flutuam no ar, leves como promessas não cumpridas, como o beija-flor que dança entre flores com uma estética que desafia a gravidade.

Uma Thurman imaginária emerge das águas, envolta em heras venenosas — símbolo de beleza e perigo entrelaçados.

O morcego, criatura da noite, alça voo carregando em si a maldição da hidrofobia, como se a própria água o rejeitasse.

As fêmeas humanas — guardiãs silenciosas dos segredos da jornada evolutiva — sabem, em sua carne e memória, os caminhos que o humano percorreu para chegar até aqui.

E eu, sozinho, novamente e sempre, tento decifrar padrões no caos do universo que me cerca.

Hoje não há lua.

Apenas insetos roçando minha pele, lembrando que o incômodo raramente vem de fora.

Eles não são o problema.

O problema talvez seja a ausência de sentido, ou o excesso de lucidez.

Alguém me diga: onde fica o paraíso?

Porque a realidade que me envolve é distorcida, distópica, mesmo quando ouço as canções mais belas que a humanidade já compôs.

Talvez eu seja apenas uma erva venenosa, destinada a ser esmagada pelas patas do cavalo de Átila, o Huno —

um fragmento dissonante num mundo que já não reconhece sua própria melodia.


 


Manifesto da Certeza Perdida




Até onde posso ir?

Até onde a memória genética me arrasta, embriagado pela alcoolemia ancestral que pulsa em meu sangue como um eco pré-histórico.

A existência — esse fardo imperioso e, por vezes, inútil — me lança contra os muros invisíveis da razão.

Evoco o tempo em que eu era apenas um primata, um quase-humano, esperando a noite cair para me recolher à caverna, ventre pétreo da minha mãe Lucy.

Hoje, carrego os pesadelos dessa travessia milenar.

Sou feito de pensamentos que me governam sob o disfarce da racionalidade — o bípede implume de Platão, domesticado por ideias que não são minhas.

Não sou dono de mim.

Sou produto embalado pelas tecnologias ideológicas da exploração consolidada.

Mas ainda pulsa em mim a raiz dos instintos, dos coacervados, das químicas primitivas que moldaram o primeiro sopro de vida.

O saber verdadeiro é o que nunca saberemos.

O tempo, esse alquimista silencioso, guarda revelações que desafiam nossas constantes universais.

Será tudo dissolvido na próxima ciência?

Ou encontraremos convicções na certeza da ignorância intransponível?

Jacta est.

O Rubicão foi cruzado — ou talvez existam infinitos Rubicões, espalhados por universos paralelos que jamais tocaremos.

Trocaria todo o ouro do mundo por uma única partícula de certeza.

Este manifesto é um grito contra a ilusão da completude.

É a afirmação da dúvida como força vital.

É a recusa em aceitar que o mistério seja um erro — quando, na verdade, é a única verdade que nos resta.


sexta-feira, 31 de outubro de 2025


A Flor Sagrada



Era fim de tarde quando o céu começou a se dissolver em tons de âmbar e violeta. O ar parecia suspenso, como se o tempo hesitasse em seguir seu curso. Foi então que ela surgiu: uma borboleta imensurável, de asas translúcidas e pulsantes, como se carregasse em si o batimento do universo. Sem hesitar, pousou sobre uma flor de pétalas amarelas, rajadas de rubro, que crescia solitária no centro de um campo silencioso.

Ao vê-la, senti um torpor inexplicável. Meus sentidos se embaralharam, e como guiado por uma força ancestral, deitei no chão. Encostei a cabeça no caule mavioso da flor, que parecia vibrar com uma energia que não era deste mundo. A terra sob mim respirava. O céu, agora líquido, escorria em cores que não tinham nome.

Borboletas começaram a sair da flor como se fossem emissárias de uma nave-mãe. Elas me guincharam para o ar, e eu flutuei — não como quem voa, mas como quem é dissolvido. A realidade se desfez em partículas. O real tornou-se gasoso, fluido, um lado oculto da moeda que os sentidos humanos sempre proibiram.

Não havia mais universo. Nem paralelos. Tudo era uma unidade pulsante, sem fronteiras, sem tempo. Os eventos e fenômenos não aconteciam — eles simplesmente eram. As causas haviam sido abolidas. O passado, o futuro, o sentido: tudo se tornara obsoleto. O que restava era um estado de pura presença, onde a compreensão não era necessária, pois não havia nada a compreender.

Abracadabra.

A palavra ecoou em minha mente como um feitiço que não precisava de magia. Sentíamos — todos nós, os dissolvidos — a fluidez do que antes era incompreensível. E mesmo desprovidos de qualquer conhecimento, éramos atravessados por uma força maior. O deus-natureza de Espinosa nos observava do trono fincado na flor, lapidando suas lentes cósmicas com paciência infinita

Ele não falava. Não precisava. Seu olhar era feito de raízes e vento. Cada pétala da flor era uma página de um livro que nunca foi escrito. E ali, naquele instante eterno, compreendi: a flor sagrada não era uma planta. Era um portal. Um organismo de consciência. Um convite para abandonar o humano e tornar-se parte do todo.

Quando voltei — se é que voltei — o campo estava vazio. A flor havia desaparecido. Mas em meu peito, pulsava uma lembrança que não era minha. Um fragmento de eternidade. 


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

 

Antipoemagnético




Releitura lírica

Agora é tarde.

Busquei a maturidade

na face de anjo,

nos olhos onde

aventuras viraram orvalho.

Frutas sem textura,

colhidas antes do tempo,

foram rasas em toda idade.

Das sementes,

restaram espinhos e silêncio.

A esperança, ceifada

pelos confins da eternidade,

deixou no peito

o veneno da serpente

e o malho eterno do ferro,

que bate e vibra —

berro insano,

eco de um coração em ruínas.



Prelúdio de uma Tragédia Vaticinada  A condição humana é marcada por uma tensão inevitável: o peso da consciência contra a leveza da existên...