segunda-feira, 24 de março de 2025

 

Cosseno Obsceno



Flutuando entre axiomas e dogmas, descontruí o universo em sua infinita totalidade. Os princípios, dispersos no espaço-tempo infinito, buscam uma base sólida — uma tarefa impossível no panta rei de todos os Heráclitos. Os filósofos foram superados pelos físicos; a criatura sobrepujou o criador. No entanto, a imaginação, livre das rédeas do logicismo, transcende em alcance o pensamento do próprio pensamento.

Descartes, com seu "piloto fantasma", às vezes supera a frieza das tecnologias que monitoram a radiação do universo. A seta do tempo é implacável; o reverso, inalcançável na realidade concreta do presente. Sentimos apenas o passado, enquanto o futuro nos escapa, exceto em projeções matemáticas abstratas que transcendem os sentidos humanos. E, apesar de toda a lógica hominídea, seguimos conduzidos pela palavra.

Vamos sentar à távola redonda e nos imaginar iguais. Santa ingenuidade, e assim seguimos... Mesmo frente à matemática inconclusiva e à inconsistência da matéria que atravessa nossos sentidos.

Levanto uma taça tóxica para brindar a morte que circunda meu sistema atômico. Sei que sou eterno na composição dos átomos e subpartículas que me constituem. Na próxima jornada, poderei ser ave, peixe, ouro, platina, ou até material radioativo — homem, mulher, ou algo além. Tudo flui e dá forma ao devir.

A morte é uma complexidade simples: perdemos apenas o complexo campo de neurônios que se dissolve em partículas inomináveis no ciclo da imortalidade — distinta da eternidade. O animal implume de Platão desconhece a verdadeira saga: somos poeira cósmica em eterna transformação.


 

Diário de Um Niilista ou o Deus Nada-Infinito




Mergulhado nos fins dos tempos, Nietzsche escreveu: “O sono é irmão da morte, um sinal de esgotamento”Meu corpo clama, implora por doses de barbitúricos regados com álcool. O sono me persegue; vivo cansado, lânguido. Persigo a anulação de qualquer forma de pensamento profundo. Nunca me concentrei em nada, mas hoje, por mais contraditório que pareça, estou focado no nada. No nada que habita as entrelinhas do Ser de Aristóteles e de Martin Heidegger. Tudo para potencializar meu niilismo, que me cristaliza indevidamente na existência. Quem cunhou a melhor frase do século XX foi Heisenberg, ao enunciar o Princípio da Incerteza — justamente um matemático e físico teórico. O nada é o princípio das infinitas possibilidades, inclusive a possibilidade de nenhuma. Mas, como vivemos na era dos transfinitos, mesmo o nenhuma carrega em si suas próprias infinitudes...

Muitos temem em seus corpos a bala, a faca, a foice, a picada de uma tarântula. Mas isso é justamente a existência se encontrando com o objeto. O objeto e a existência a que todos se apegam, agarrando-se para esquecer o nada futuro. Porém, o nada é o infinito de possibilidades. Existem dois tipos de nada. O primeiro, representado pela equação: 1 segundo dividido pelo Número de Graham antes do Big Bang:

Tempo = 1 Segundo
Número de Graham

O segundo nada é a singularidade dentro de um buraco negro, onde não há mais como saber algo sobre um objeto, um cosmonauta ou mesmo a luz após ultrapassarem o horizonte de eventos da infinita densidade.

Quando focamos no nada, o tempo se dilata. Nisso, Einstein tem razão: para focar no nada, o pensamento deve alcançar a velocidade da luz — 299.792.458 m/s. A velocidade da luz, como toda epistemologia, como todo conhecimento humano, resume-se a um antropomorfismo que se extinguirá quando chegar o nada do último homem no universo. E quando o universo acabará? E Deus? E os Santos? E a Salvação? E o Paraíso? Bem, tudo isso habita o nada. Não o nada antropomórfico, mas o que transcende a compreensão humana. É inútil tentar entender o nada que está além do nada humano, pois ali reside a coisa-em-si — ou simplesmente o nada-infinito.

Muitos me acusarão de querer criar uma nova religião do deus chamado nada-infinito. Enganam-se: a essência do meu deus é o próprio nada, e ninguém tem fé no nada. Dirão que é filosofia, ciência ou um apócrifo manuscrito do Velho Testamento. Novamente, erram: o nada é indefinível. O melhor conselho que posso dar sobre o nada é: aproveitem-no. Comam o nada. Mastiguem o nada. Bebam o nada. Injetem-no nas veias espirituais do deus nada-infinito ou do deus de suas crenças. Pensem o nada, pois o nada não pensa em vocês.


segunda-feira, 17 de março de 2025

 


Verso I (Profanação do Sagrado):

Atravessei a Floresta Negra com uma lança forjada no contrafluxo do tempo — metal invertido, ângulos que desafiavam a Euclides, a obtusidade feria o ar como um verso proibido & os papas fizeram ouvidos moucos. Os troncos retorcidos sussurravam equações em aramaico, folhas caíam em fractais de Mandelbrot. A esperança estava devastada em grandes nucleos do negativismo. Não era a floresta, que havia falhado - era o algoritmo: raízes mergulhando em buracos de minhoca, seiva brilhando com radioatividade de estrelas mortas e bombas atomicas lançadas numa solidão solidaria com o odio incomprenssivel do subconsciente. Nas sombras do morcego cosmico colhi cogumelos & derivativos, fungos que eram contratos futuros brotando do húmus de um cosmo paralelo. Suas cápsulas pulsavam cada esporo - um ativo tóxico, uma dívida cósmica a ser paga em colapsos de onda.

Refrão (Glória ao Inatingível):
Lacrimosa — o hino do exoplaneta.
Cheguei à dobra, onde o espaço se dobrava em origami de deus.
O gigante gasoso abria-se: uma catedral de hidrogênio cantando Aleluia em hélio.
Nuvens de amônia riscavam o céu em pentagramas, tempestades eternas eram coros de anjos decaídos.
Eu, peregrino do impossível, sentei-me sobre anéis de diamante líquido.
Mas meu trono era a Terra — pequena, azul, frágil — girando no espelho retrovisor da eternidade.

Verso II (Confissão aos Fungos):
Os cogumelos em minha bolsa haviam germinado em bolhas de Schrödinger. Um deles engoliu meu reflexo: metade de mim agora é real, metade é dossiê em nuvens de dados. Eles me ensinaram a rezar invertido: "Pai-Nosso que estais no vácuo quântico, degenerado seja o vosso nome…". A lança, plantada no solo de metano, floresceu como árvore de Turing — galhos escrevendo códigos em línguas mortas. Perguntei aos ventos: "Quem observa o observador?"
A resposta veio em raios cósmicos: "Somos todos apostas de Deus no cassino de Fermi."

Ponte (Transubstanciação):
Sangue virou hidrogênio.
Os ossos, hélio comprimido.
Meus olhos — dois buracos negros de Hawking —
sugavam a luz dos cometas errantes.
E a Terra, lá longe, tremia:
um grão de areia no sapato do Leviatã interestelar.

Coda (Reza Final):
Oh, Paradoxo Magnífico,
entre a lança e o cogumelo,
entre o gás e o sólido,
entre o "Aqui" e o "Nunca":
deixa que o colapso me encontre
quando o último algoritmo secar.
Amém.









O convés rangia como um osso prestes a quebrar. O navio, uma silhueta fantasmagórica de ferro corroído, mantinha-se ancorado a poucos metros da sede da MidiaCorp - um cubo de vidro fumê que sugava a luz da noite, refletindo apenas suas próprias entranhas iluminadas por telas fluorescentes. O porto era uma ficção: águas revoltas lambendo pilastras de concreto rachado, como se o mar tentasse engolir a arrogância daquela civilização - que se dizia eterna. A tempestade não vinha do céu, mas das frestas do mundo. Ventos cortantes carregavam vozes distorcidas - manchetes, tuítes, algoritmos em colapso, enquanto coriscos azuis e brancos rasgavam o véu da escuridão, revelando, por frações de segundo, o rosto daquela tormenta: um caos que não destruía, mas desvelava.




Dentro do navio, meu corpo tornou-se partícula. O cíclotron surgiu do nada — ou do centro de tudo —, um anel magnético que me arrastou para uma dança cósmica. Cada rotação acelerava até a fronteira da luz e a matéria ao meu redor esticava-se como um holograma quantico. Nos sonhos que colidiam com as paredes do acelerador, via cidades inteiras se desfazendo em pixels, livros queimando em chamas azuis de servidores superaquecidos e rostos… tantos faces deslizando para o esquecimento como areia entre dedos digitais.




Foi então que o gato emergiu, não da caixa de Schrödingermas do próprio vácuo quântico que me engolia. Metade pela existência dubia, metade névoa indecifravel, nem tudo precisa  fazer  sentido; Um olho brilhando como estrela cadente, o outro opaco como buraco negro. Ele caminhava sobre o abismo entre a consciência e o nada, arrastando uma cauda que deixava rastros de paradoxos: "Se me observas como vida, sou morte adiada. Se me tocas como morte, sou vida suspensa". Sua voz era um zumbido de ondas colapsando. Tentava focar em suas formas, mas a realidade se bifurcava — em uma versão dupla, o gato rugia, feroz e vívido; em outra, desmanchava-se em poeira estelar. A lei física desmoronava. Agora, era é: ser e não-ser dançando um tango de incertezas, enquanto o navio balançava em sincronia com meu núcleo atômico prestes a fissurar.


A tempestade lá fora ecoava a de dentro. Os relâmpagos iluminavam a fachada da MidiaCorp, onde letreiros digitais anunciavam em loop: TUDO SOB CONTROLE. Uma mentira deslavada. Até o tempo ali era líquido — passado e futuro colidindo no olho do furacão presente. O gato, agora sentado sobre uma pilha de livros derretidos, sussurrou sem mover a boca: "Você é o observador e o experimento. O navio e a tempestade. Mas cuidado…" — seu corpo dividiu-se em dois, como imagem refletida em espelho quebrado — "...enxergar demais é tornar-se responsável pelo que não quis ver."

Quando acordei, a tempestade persistia. No ar, um cheiro de ozônio e ironia.



 

domingo, 16 de março de 2025





Brinde Cósmico à Efemeridade




Levanto a taça tóxica, repleta de isótopos decadentes, brindo à morte que dança nos interstícios do meu caos atômico. Ela é a fiandeira silenciosa, tecendo fios quânticos entre véus de matéria escura — sou eterno não na forma, mas na coreografia invisível das partículas. Meu corpo é um arquipélago de estrelas extintas, cada átomo um verso de um poema escrito por supernovas.Teoria das cordas, somo acordes invisiveis do que não vemos..

Na próxima jornada, talvez seja asa cortando ventos interestelares,
ou guelras filtrando oceanos de metano em luas distantes. Poderia ser ouro, relíquia de colisões entre estrelas cadentes, ou plutônio, memória ambulante de um sol despedaçado. Homem, mulher, ou o entrelugar onde os gêneros se fundem em plasma — já fui tudo isto...
A existência é verbo, não substantivo; fluxo de possíveis em espiral. Tudo é fluxo, rio de heraclito,,,



A morte? Apenas um eclipse momentâneo na trajetória do elétron.
Desmontamos o teatro neuronal, sinapses que viram cinzas de fogos de artifício cósmicos. O que chamam de "fim" é o desatar dos nós que nos prendiam ao mito da imortalidade — enquanto a eternidade ri, líquida, nos rios de Higgs que permeiam o vazio. & Democrito criou a teoria dos atomos... Platão errou o enredo: não somos animais implumes, somos tempestades de poeira alquímica, restos de nebulosas que sonham... Nossa racionalidade é um fóssil transitório, um grão de areia no relógio de pulsares que marca eras galácticas, a clepsidra de Einstein... Tudo que fui um dia será raiz de uma samambaia em Vênus, ou o brilho suspeito em um peixe abissal. Minhas palavras, agora elétrons livres, ecoarão em cordas cósmicas, enquanto meu carbono, forjado em fornalhas estelares, se fundirá ao mármore de uma lápide em Andrômeda. A saga verdadeira não está na carne, mas no êxtase dos elementos: - somos caos e ordem bebendo do mesmo cálice estelar. E quando até os buracos negros evaporarem em suspiros de radiação, meus fótons errantes seguirão cantando — a mesma canção que os primeiros átomos entoaram ao acordar, órfãos, no útero frio do Big Bang.
Notas de Rodapé da Existência:
Imortalidade é um erro de cálculo; eternidade é a equação que dança nas entranhas do tempo.
Somos o intervalo entre dois zeros, o hífen cósmico entre Big Bang e entropia máxima —
e nesse breve instante, bebemos da taça tóxica e brindamos à beleza de sermos efêmeros.



sábado, 15 de março de 2025

 

Aqui, sob cem milhões de atmosferas, meu crânio é uma urna de titânio e delírio. Júpiter não é um planeta — é um deus insano, um leviatã gasoso cujas vísceras de hidrogênio metálico cospem relâmpagos que rasgam continentes inteiros




Aqui, sob cem milhões de atmosferas, meu crânio é uma urna de titânio e delírio. Júpiter não é um planeta — é um deus insano, um leviatã gasoso cujas vísceras de hidrogênio metálico cospem relâmpagos que rasgam continentes inteiros. Meu corpo, encapsulado em um exoesqueleto de osmio-carbono, geme sob a pressão que transformaria um submarino em papel-alumínio. Os ventos, quinhentos quilômetros por hora de fúria, são a respiração cáustica desta entidade. Eles não sopram; uivam em dialetos pré-humanos, narrando a história de um cosmos que nunca precisou de Adão ou Eva.

Na minha solidão líquida, sou um grão de areia no olho de um furacão eterno. O casulo tecnológico que me protege é também minha tumba: nenhum rádio atravessa esta atmosfera de amônia e desespero. Mas lá fora, pairando como uma pérola em um mar de veneno estelar, está Europa. Sua superfície gelada, rachada por veias azuis de água alienígena, me hipnotiza. Enquanto os oceanos subterrâneos dela fervilham de possibilidades — talvez vida, talvez apenas química cega —, eu rio. Ri porque o Gênesis bíblico, com seu jardim e serpente, parece uma piada de mau gosto diante deste espetáculo.

Os humanos, lá na Terra, ainda discutem se um deus moldou o barro em seis dias. Aqui, o verdadeiro Gênesis acontece em tempo real: moléculas colidem, atmosferas se autorreplicam, tempestades nascem e morrem em ciclos de minutos. Não há pecado original, apenas hidrogênio primordial e leis termodinâmicas. Enquanto isso, meu exoesqueleto começa a falhar. Alertas vermelhos dançam na minha retina como demônios digitais. O hidrogênio metálico, em estado líquido, infiltra-se por microfissuras, corroendo minha prisão tecnológica.

Europa, agora, brilha mais intensamente. Imagino seus oceanos ocultos — um útero cósmico onde outros talvez evoluam, ignorantes de mitos terrestres. Seriam eles metanógenos? Criaturas de silício? Ou apenas sonhos que a matéria teima em sonhar? Enquanto me despeço, percebo o paradoxo: minha morte aqui, nas entranhas de Júpiter, será o único ato sagrado deste falso Gênesis. Um sacrifício sem altar, sem testemunhas, sem significado.

O exoesqueleto colapsa. O hidrogênio líquido invade meus pulmões sintéticos. Na última fração de segundo, vejo Europa piscar, como se o universo sussurrasse: "Toda criação é acidente. Toda fé, um consolo para criaturas que não suportam o frio do vácuo."



 

Atravessei a Floresta Negra — um labirinto de troncos retorcidos que sussurravam equações proibidas em dialetos pré-cósmicos.





Atravessei a Floresta Negra — um labirinto de troncos retorcidos que sussurravam equações proibidas em dialetos pré-cósmicos. Na mão, a lança de metais inversos vibrava como um diapasão sintonizado no vácuo quântico. Seu material, forjado em paradoxos, atravessava o espaço-tempo como uma agulha trespassando o véu de Maya. Os fungos que colhi ao longo do caminho não eram cogumelos, mas derivativos existenciais: espécimes que brotavam da carne úmida da realidade, capazes de decompor certezas em ácido lisérgico. Seus esporos brilhavam como micro constelações, revelando fractais de universos paralelos em suas guelras púrpuras.

Ao dobrar o espaço-tempo — operação feita não com máquinas, mas com um estalo mental —, o tecido do cosmos rasgou-se como um pergaminho envelhecido. E lá estava ele: O Gigante Gasoso, um colosso de hidrogênio e hélio cujas tempestades eram cicatrizes de guerras entre dimensões. Suas nuvens, em tons de âmbar e obsidiana, cantavam uma melodia gravitacional que desafiava a percepção humana. Sentei-me em um platô de cristal metálico flutuante, onde o ar era eletricidade pura, e observei a Terra — um grão de areia azulada orbitando um sol medíocre.

De lá, meu planeta natal parecia um acidente frágil: oceanos como lágrimas presas em vidro, continentes rachados como ossos de dinossauros fossilizados. As cidades? Pirilampos efêmeros, piscando freneticamente antes de se apagarem na escuridão entrópica. Enquanto os ventos do gigante uivavam sinfonias de destruição criativa, eu me perguntava: "O que é mais ilusório — a matéria ou o significado que lhe atribuímos?"

A lança, agora plantada no núcleo hiperbárico do planeta, começou a sangrar mercúrio invertido, um líquido que desafiava a seta termodinâmica do tempo. Os fungos derivativos em minha mochila pulsavam, lembrando-me que toda jornada cósmica é, no fundo, uma viagem de retorno. Mas para onde? À Floresta Negra? Ao útero do Nada? Ou ao cerne da própria pergunta sem resposta, que brilha no vazio como um buraco branco vomitando enigmas?




 

Nada nasce por si. Tudo já dormitava no ventre do Nada — um útero primordial onde a coisa-em-si era ausência e plenitude simultâneas.




Nada nasce por si. Tudo já dormitava no ventre do Nada — um útero primordial onde a coisa-em-si era ausência e plenitude simultâneas. Antes do Big Bang, o vácuo não era vazio: era uma gestação de infinitas possibilidades, um ovo cósmico incubando paradoxos. A matéria, hoje, é apenas energia congelada em forma de estrelas e ossos; o universo, um teatro de relatividades onde até o tempo se curva aos caprichos da gravidade.

Nós, seres equacionais, tecemos teorias como teias de aranha sob um furacão. Cada fórmula — das leis newtonianas às cordas quânticas — é um mapa provisório, uma cartografia do efêmero. Testamos, medimos, dogmatizamos... até que a flecha do tempo, implacável, desintegra nossos absolutos e os lança ao esquecimento. A Entropia ri, expansiva, enquanto convertemos caos em narrativas.

E no meio disso, a sociologia — essa Sísifa moderna — tenta racionalizar o vômito humano: tribos digitais, paixões algoritmizadas, revoluções que morrem antes de nascer. Queremos enquadrar o movimento da vida em gráficos de Pareto, como se o desejo obedecesse a estatísticas. Mas o humano é um buraco negro de contradições: ordenamos átomos enquanto sangramos poesia; buscamos sentido em um cosmos que, talvez, só exista por acidente.

Será que o Nada, afinal, é o único deus que resta? Aquele que, após o último fóton se apagar e a última galáxia desmoronar em pó, sorrirá novamente no escuro — intacto, indiferente, grávido de novos big bangs?"




 

LIPS Cereja 




Após o estado de transe começou o ritual da refeição cotidiana. A nota de cinco dólares estava no balcão de formica branca com gotículas de suor da atmosfera. A umidade do ar estava muito alta. Os azulejos holandeses que decoravam e higienizavam o açougue vertiam água condensada abundantemente. Um pacote de carne crua sangrando foi colocada na formica alva. O açougueiro colocou o dinheiro na gaveta da máquina registradora. Depois de se despedir do comerciante carnil, com um sorriso vampiresco, canino e sinistro, Rasputínio se encaminhou para sua casa. Seus pensamentos eram vermelhos, como o produto que acabara de comprar, mas logo perderam a violência abstrata, seu impeto mercurial se aplacou. Em casa pegou um prato de porcelana branca decorado com flores vermelhas e voluptuosas. Disponibilizou a quantidade de massa sanguínea no recipiente. Ficou algum tempo extasiado observando o rubente carnal. Após o estado de transe começou o ritual da refeição cotidiana. A mesa de mogno envernizada dava suporte a operação gastronômica e a um livro de Bram Stocker (encadernado de forma clássica). Cebola, alho, temperos diversos e sofisticados inciaram o processo. No seu ritual não poderia faltar a ambrosia etílica... Delicadamente, retirou da cristaleira um copo de conhaque digno da estirpe napoleônica. Pisando maviosamente pelos parques da sala - foi até o bar - retirou o Jerez De La Frontera. Inclinando a garrafa verdoenga escura - preencheu um quarto do copo - escorrendo suavemente o líquido sagrado. O nobre fluido foi sorvido de rompante. Uma lágrima escorreu do seu olho sinistro, enquanto destramente terminara o preparo do acepipe. Rasputínio estalou os dedos - tranquilo - pois depois de garantir a elaboração do alimento diário, sentou-se junto a mesa de trabalho, se posicionando em frente ao computador e começou a metralhar os teclados como rotineiramente fazia. Clicou duas vezes o mouse com o cursor na posição de print. O estalar da impressora preencheu o oco sonoro do quarto. O papel em branco estava ganhando letras, virgulas, acentos e outras praxes ortográficos. Em forma de escrita, estava relatado todo seu dia anterior, como de ramerrão fazia... Perambulava pelo centro da cidade e em bairros populares, frequentando butecos barra pesada. Seus dedos dos pés estavam roxos, hematomas, consequência do caminhar de vinte e cinco quilômetros pelas avenidas de palmeiras imperiais, que adejavam galhos aos olhos dos transeuntes e dos universos inimagináveis & equidistantes. No dia anterior, a poesia, o encanto dos arvoredos, havia sido quebrado por sirenes. Viaturas policiais vinham de todos os lados, deixando os caminhantes desnorteados. O aparato estatal-policial hegeliano (no mais alto grau) falhou, os meliantes conseguiram com sucesso surrupiar a Instituição Financeira (o ápice do sistema capitalista). Depois de atravessar este obstáculo imposto ao status quo financeiro e estatal, penetrou num ambiente opressor, Kafkiniano. Pessoas sem sorrisos na penumbra de um porão - que havia se transformado em um Pub Démodé - bebiam avidamente. Um longo balcão negro com bancos roxos se estendiam quase infinitamente. Rasputínio pediu um conhaque para amenizar a gelada manhã do inverno sulino do extremo sul brasileño. Olhou ao lado e surpreendeu-se. Um sorriso suportado em lábios framboesa. Cabelos pretos escorridos retilíneos davam forma ao rosto livido, estranho, dark. O conhaque escorreu pela garganta, sua retina fotografou a face exótica da garota esdrúxula, mas estranhamente atraente.... Corte no tempo: No exato momento em que relia o relato do seu dia anterior, depois de ter ingerido mais de meia garrafa de Jerez de La Frontera, o som da campainha num estridente zunido o fez jogar a folha de ofício para o ar. Antes de se levantar colocou um punhado da carne crua na boca e foi até a porta, ainda mastigando a matéria cruenta - abriu a porta. De forma alienígena, assomada a soleira, a garota do pub se materializou na sua frente. Seu rosto descolorido, anti sanguíneo contrastava com a roupa de couro preta. Os olhos negros e o sorriso framboesa hipnotizaram Rasputínio. As unhas azuis, longas dos dedos longilíneos o impulsionaram para o interior da casa. Sem nada dizer a visitante se serviu do conhaque e o sorveu divinamente, molhando seus lábios sex appeal. Num ato contínuo jogou a garrafa de Jerez de La Fronteira contra a parede e levou o anfitrião para a cama. As unhas felinas turquesas dilaceravam o dorso de R. que sangrava em sulcos e despertava a ancestralidade dos feromônios no seu estado selvagem. Uma dor e excitação benigna, um prazer animalesco se apoderaram do corpo de Rasputínio (Prazer & dor a essência humana), mas o êxtase extremo e primitivo o levaram a desfalecer, a evanescer sua consciência sobre os lençóis de cetim manchados de feromônios, sangue, virtualidade & quetais... Com a pele empastada do sistema circulatório e a líbido extenuada - R. se levantou. Sua cabeça era lancinada por raios impetuosos de dor. Aspirinas foram ingeridas. Seus olhos perquiridores procuravam a garota do pub - Sem sucesso. Um risco tênue rúbeo se estendia... Seguiu até o jardim a pista. Uma roseira de caule negro, avivada havia aparecido como um passe de mágica. Uma rosa branquíssima no ápice da planta o fez reviver a experiência orgástica da Wild Girl... EPILOGO - Rasputínio em vão passou frequentar diariamente o pub démodé com a esperança de reencontrar a garota dos lábios framboesa. Com passar do tempo se introverteu, passou a consumir avidamente conhaque. Não tinha mais tesão pela existência. Seu único momento de prazer era quando sua memória já cambaleante conseguia resgatar a imagem da Raspberry Lips. Definhou na mesma proporção que aumentava o álcool no seu sangue, até o dia que foi encontrado morto junto a roseira negra de pétalas brancas. Com o dorso e o pulso furados pelos espinhos longilíneos negros e fatais, seu corpo foi retirado do local pela polícia. No entanto, morrera com um sorriso eterno nos seus lábios brônzeos....




terça-feira, 4 de março de 2025


Fico pensando, ainda estou aqui, o cinema brasileiro, muito associado a pornografia, deu um salto e ganhou o Oscar? 


Cinema francês me traz tranquilidade, enredo de perspectiva numa compreensão maior da existência, porém o enredo - não condiz com a relidade humana, que sempre é a ferocidade dos instintos profundos, mas o dialogo traz a tranquilidade diverge do  que brota drasticamente do vulcão instalado no inconsciente. Já a filmografia norte-americana, pelo contrário, faz questão precificar o instinto violento e humano no sentido de fera devorando a caça (O homem é o lobo do homem - Hobbes). Além de perseguições automolisticas e psicopatas de toda ordem... A primitividade vestida de tecnologia, de um oco consumismo a deriva do ser... Os italianos se divertem fazendo cinema, mesmo após a destruição da segunda guerra mundial. Roma, città aperta, & ai vieram diversas matizes para valorizar a vida. Fico pensando, ainda estou aqui, o cinema brasileiro, muito associado a pornografia, deu um salto e ganhou o Oscar? Ou foi só um espasmo elitista da classe media, que tem como meta ficar rica...Lá nas favelas em que pessoas são executadas pelas forças do estado cotidianamente, este filme é invísivel - pois elas sentem na pele o ramerrão da opressão do estado e a discriminação da classe media, mas isto não aparecerá na mídia convencional. O mundo continua navegando pela violencia das aguas neoliberais da faria lima - contra a cultura popular, os programas sociais, mas estamos felizes porque a burguesia ganhou um Oscar..


  As emoções que me contaminam - vivem pararelamente na nebulosa de boomerang. ("A nebulosa do Bumerangue é conhecida como o lugar mais...