quinta-feira, 23 de outubro de 2025



E a amo em silêncio, platonicamente,

sou cúmplice dos pássaros desorientados,

dos semáforos que piscam para ninguém,

dos muros que não respondem, mas a face dela está gravada na eternidade do transitorio,

Somos escravos da nossa própria espécie

desde o primeiro caixote de bananas estocado,

desde o primeiro muro erguido para separar,

para vigiar, para explorar.

Hoje, a superestrutura nos observa de cima,

com olhos de algoritmo e mãos invisíveis.

Chegar ao âmago da questão

é como cavar com as mãos nuas

um solo de concreto armado.

Há camadas e mais camadas de dominação,

mas nenhuma tão densa quanto o medo

de dizer a ela —

que, mesmo entre o caos,

a vejo como um respiro...

...como um intervalo entre sirenes,

um gesto que escapa à lógica da máquina,

um lampejo de humanidade na engrenagem.

Ela, que caminha entre ruínas com leveza,

sem saber que carrega em si

a única revolução que ainda pulsa:

a de existir sem pedir permissão.

E eu, que a amo em silêncio,

continuo cúmplice dos que não se encaixam,

dos que resistem sem alarde,

dos que, ao vê-la passar,

sentem que ainda há beleza

mesmo sob o peso do concreto.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

  Antipoemagnético Releitura lírica Agora é tarde. Busquei a maturidade na face de anjo, nos olhos onde aventuras viraram orvalho. Frutas se...