E a amo em silêncio, platonicamente,
sou cúmplice dos pássaros desorientados,
dos semáforos que piscam para ninguém,
dos muros que não respondem, mas a face dela está gravada na eternidade do transitorio,
Somos escravos da nossa própria espécie
desde o primeiro caixote de bananas estocado,
desde o primeiro muro erguido para separar,
para vigiar, para explorar.
Hoje, a superestrutura nos observa de cima,
com olhos de algoritmo e mãos invisíveis.
Chegar ao âmago da questão
é como cavar com as mãos nuas
um solo de concreto armado.
Há camadas e mais camadas de dominação,
mas nenhuma tão densa quanto o medo
de dizer a ela —
que, mesmo entre o caos,
a vejo como um respiro...
...como um intervalo entre sirenes,
um gesto que escapa à lógica da máquina,
um lampejo de humanidade na engrenagem.
Ela, que caminha entre ruínas com leveza,
sem saber que carrega em si
a única revolução que ainda pulsa:
a de existir sem pedir permissão.
E eu, que a amo em silêncio,
continuo cúmplice dos que não se encaixam,
dos que resistem sem alarde,
dos que, ao vê-la passar,
sentem que ainda há beleza
mesmo sob o peso do concreto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário