Uma canção triste e seu pet eram as únicas coisas que ainda tocavam seus sentimentos, sedimentados por detritos existenciais. No fim da tarde, sentava-se numa mureta que contornava um posto de gasolina. Abrias latas de cerveja e observava o bulício da avenida central. Seus olhos lacrimejavam, não apenas pela poluição dos canos que exalavam dióxido de carbono, mas porque aquilo lhe dava a ilusão de um sentido real fora do seu quarto escuro e sujo, com livros espalhados pelo chão e garrafas vazias jogadas sobre as lajes de cerâmica.
Algumas pessoas passavam diante dele, mas nada de novo no front: pareciam vultos, os mesmos que sombreavam seu quarto, e não representavam coisa alguma — uma espécie de caverna de Platão. Não tinham vida própria, apenas insinuações óticas, sombras de uma fogueira falaciosa.
O álcool aplacava suas teses sobre a existência — pesada como o ferro que perfurou corpos nas infinitas guerras traçadas pelos humanos — enquanto a correnteza da vida transcorria imperceptível no fluxo de um destino interminável. O som de Caruso lhe devolvia alento e lembrava Schopenhauer: é preciso escapar do sofrimento pela arte.
Contudo, o preço sempre era cobrado: noites de pesadelos, insônia no meio da madrugada, ruídos estranhos contaminando o quarto em total escuridão. Ainda assim, sua resiliência — ou teimosia — em viver no sofrimento era mais forte que o bem-estar que a eutanásia poderia proporcionar.