quinta-feira, 11 de julho de 2024


Pensamento Analógico-Digital-Anárquico

De Proust ao Kaos



Foi um grande tempo. Morávamos numa rua calçada com ladrilhos diversos. O passeio margeava sobrados antigos mesclados com casas modernas que chegaram junto com a bossa nova. Eram tempos de  Oscar  Niemeyer e de agitação política no Brasil e no mundo. Nós, pequenos imberbes, vivíamos a magia  de tempos infinitos, de pensamentos quentes e coloridos, enquanto o planeta vivia uma guerra fria e batalhas incendiárias  no Vietnam e Korea. Nada nos incomodava, senão a hora de tomar banho - geralmente nossos pais nos buscavam no campo de futebol. As reprimendas eram constantes, quando passávamos algum limite estabelecido, mas nada que estigmatizasse nossos grandes sonhos pueris. Naqueles tempos, mal sabíamos das agruras que encontraríamos no futuro. 



Numa evocação ao passado, talvez a busca do tempo perdido de Proust - À la recherche du temps perdu -  depois de uma crise de nostalgia, resolvemos passar na rua da infância. Resgatar o sonho perdido dentro do pesadelo hodierno. Quiçá, encontraríamos as cadeiras preguiçosas em que jogávamos nossos corpos serelepes para descansar e olhar o infinito bordado de estrelas que ainda não sofriam prejuízos estéticos da mega iluminação moderna e da eletricidade infinita. Também sentiríamos o gosto dos pré-refrigerantes domésticos. Deixaríamos a Gasosa, o Gengibre escorrer lentamente por nossas gargantas de antanho, então, o dream-magic de nossas infâncias penetraria em nossos cérebros digitais. O passado analógico das imensas felicidades se reporiam em nossos corações tão maltratados pelo presente tecnológico.



O presente é o passado mais as circunstâncias que nos cercam. Nós somos pontos de uma linha na evolução, se houvesse alguma falha anterior, não seriamos o que somos hoje. Estamos condenados pelo pretérito e absolvidos pelo determinismo que os defensores do livre arbítrio negam.  O único livre-arbítrio que o homem dispõe é o pensamento. Podemos estimular lembranças e edulcorá-las. Rever conceitos e acrescentar atributos. Criar santos, monstros e odiar ou amá-los. A poesia é fruto do livre-arbítrio, a literatura permite o impossível, que o diga Gabo & Kafka. O sonho é o livre-arbítrio do inconsciente. O vígil é o coordenador determinista de todo livre-arbítrio. Não nego o que escrevi anteriormente, porém somos o joguete de regras que não conhecemos, apenas suspeitamos. Karl Popper nos ensinou que a ciência é provisoria. Os deuses mudam conforme a civilização, a etnia. O pré-socrático, Xenófanes de Cólon, afirmou que se os animais tivessem o dom da pintura, representariam os seus deuses em forma de animais, ou seja, sua própria imagem.





Vejo homens estufarem o peito e orgulhosamente traçarem organogramas e se atribuírem poderes. Economistas discriminarem as classes sociais, criando escalas de valores em que o ter é a graduação para ser considerado um homem de "Bem". A verdade está intimamente ligada ao poder econômico que estampa sua ideologia nos veículos submissos de comunicação. Vejo a população como um rebanho pastando o que o marketing dirigido a alienação ofereceu. Homens vendem suas almas para o vil metal e se confortam na religião. Acreditamos que a humanidade é uma causa perdida, ou seja, como disse o filosofo existencialista Jean-Paul Sartre: - O homem é uma doença. 







Um comentário:

  1. Seu texto é uma bela evocação do passado, mesclando elementos nostálgicos e reflexões sobre o presente. A maneira como você descreve a rua calçada, os sobrados antigos e as casas modernas, junto com referências à bossa nova e à agitação política, cria uma atmosfera rica e envolvente.

    A busca pelo tempo perdido, inspirada na obra de Proust, é um tema universal. A ideia de voltar à rua da infância para resgatar sonhos e memórias é poderosa. As cadeiras preguiçosas, o gosto dos pré-refrigerantes e a visão das estrelas não afetadas pela iluminação moderna são detalhes que nos transportam para um passado mais simples e autêntico.

    Sua reflexão sobre o livre-arbítrio e o determinismo também é intrigante. O pensamento como o único livre-arbítrio que temos é uma perspectiva interessante. Somos moldados pelo passado, mas também influenciados pelas circunstâncias presentes.

    Seu texto é uma reflexão profunda sobre o livre-arbítrio, a influência do passado e as complexidades da existência humana. Vamos analisar alguns pontos:

    Livre-arbítrio e Pensamento:
    Concordo com sua afirmação de que o único livre-arbítrio que o homem possui é o pensamento. É através do pensamento que estimulamos lembranças, revemos conceitos e criamos novas conexões.
    A poesia e a literatura, como mencionou, permitem explorar o impossível. Autores como Gabriel García Márquez (Gabo) e Franz Kafka nos mostraram mundos extraordinários através de suas obras.
    Determinismo e Suspeitas:
    Sua observação sobre sermos “joguetes de regras que não conhecemos, apenas suspeitamos” é intrigante. O determinismo e a incerteza coexistem em nossa experiência.
    Karl Popper nos lembra da natureza provisória da ciência, sempre sujeita a revisões e descobertas.
    Poder Econômico e Verdade:
    A conexão entre poder econômico e ideologia é relevante. Os veículos de comunicação muitas vezes refletem essa influência.
    A população, como você descreve, pode ser conduzida pela alienação e pelo marketing.
    A Humanidade e a Visão Existencialista:
    A citação de Jean-Paul Sartre é impactante. A humanidade é complexa, com suas virtudes e falhas.
    Seu texto nos convida a questionar, refletir e buscar compreender nossa condição humana. Obrigado por compartilhar essa reflexão!

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